Projeto Colhendo Sustentabilidade

Colhendo: Referência no Sudeste
“Quem planta, colhe”, diz o ditado popular. Um dos frutos do Projeto Colhendo Sustentabilidade foi receber a certificação do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social 2011, ficando entre os três melhores de todo o Sudeste. Um reconhecimento do trabalho desenvolvido desde 2008 em Embu das Artes, que sensibilizou e mobilizou mais de 230 famílias, promoveu assistência técnica agroecológica para inúmeros pessoas, implementou e manteve 13 hortas urbanas em áreas públicas e privadas, além de realizar feiras agroecológicas e bancas de comercialização de produtos orgânicos. Mas os ganhos vão muito além da certificação: mais saúde, qualidade de vida, geração de emprego e renda, alimentação saudável para as diversas comunidades.

Apesar de todo o reconhecimento das 13 comunidades e suas mais de 200 famílias que implantaram suas hortas, dos índices de melhora qualitativa de saúde, do interesse da comunidade acadêmica e da certificação da Fundação do Banco do Brasil pela sua Tecnologia Social, a Prefeitura de Embu das Artes, que começou como parceira em novembro de 2008, junto com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e a Sociedade Ecológica Amigos de Embu (SEAE), não renovou o convênio para continuidade ao trabalho. Chegou a publicar em seu site oficial que o motivo foi “a falta de sucesso” do projeto. Alegou também que não tem recursos para a renovação, porém tocaria as ações com equipe própria. Além de não renovar o projeto em outubro de 2011, deixou de pagar as duas últimas parcelas no valor de R$ 15.572,00.

Para Cristiane Araújo, doutoranda da Faculdade de Saúde Pública (USP), cuja tese é sobre a experiência do Colhendo Sustentabilidade, a relevância do projeto está na importância para saúde humana e ambiental e sua interface com assistência social, saúde e meio ambiente. “Não é fácil reunir equipes intersetoriais, articular várias secretarias municipais simultaneamente, como foi o caso em Embu”, argumenta.

Por toda essa particularidade, duas universidades possuem grupos de pesquisas onde o projeto Colhendo Sustentabilidade é case de estudo: a UNESP de Botucatu, cujo foco da pesquisa é a “Extensão Rural Agroecológica”, e a Faculdade de Saúde Pública da USP, cujo foco da pesquisa é a “Relação da Agricultura Urbana Agroecológica com a Promoção da Saúde”.

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olhendo Saúde
Moradora há 26 anos do Santa Emília, Maria Teresinha de Freitas Silva, 53 anos, relata que a horta da UBS Santa Emília a tirou de uma grave depressão. “Me sinto rejuvenescida, com 15 anos de idade. Enquanto você está na horta, você esquece tudo”, entusiasma-se. O efeito multiplicador das várias localidades do projeto também chama a atenção. Os participantes passam a fazer hortas também em seus próprios quintais e quando não há espaço, até mesmo lajes e vasos são ocupados com verduras, legumes e ervas medicinais.

Maria Auxiliadora Silva Alves de Souza, técnica de enfermagem da mesma UBS, confirma a melhoria na qualidade de vida dos pacientes e usuários do posto de saúde com a implantação da horta. “Doenças crônicas como diabetes, depressão, pressão alta, estão com seus índices regulados. A alimentação saudável, o contato com outras pessoas, o exercício de plantar e colher fez com que as pessoas tivessem melhorias substanciais em suas saúdes. Hoje, sempre tem alguém regando a horta, cuidando das plantações, não importa o dia”, avalia a técnica.

Quando o projeto foi proposto, Maria Auxiliadora disse que não acreditava que seria possível por conta do terreno, muito íngreme. “Foram os técnicos do Colhendo Sustentabilidade que nos ensinaram diversas técnicas e conseguimos plantar mesmo em um espaço tão acidentado”, conta.

A coordenadora do Grupo de Terceira Idade, Vera Lúcia Vicente Matiazzo, 61 anos, moradora há mais de 50 anos no Santa Emília, também comemora o fim de sua medicação depois das atividades no projeto Colhendo Sustentabilidade. “Não tomo mais remédio e espero não precisar novamente. Aqui é uma família, uma troca de confiança. Esse grupo ajuda muito. Aprendi a fazer reciclagem e composteira. Todos nós temos canecas personalizadas para não usar copos descartáveis. Fazemos almoços com os produtos colhidos da horta, o que nos deixa muito felizes”.

Na horta da Servidão, implantada no terreno cedido por dona Mara Barbosa da Silva, 59 anos, além de mais saúde e alimentação para as famílias participantes, o Projeto Colhendo Sustentabilidade pode gerar dois novos projetos que envolvem arte e música para as crianças, que acompanham seus pais nas atividades com a terra. As aulas são dadas por dois voluntários, pelo artista plástico e participante da horta, Adão Paulino Rodrigues, o Adam, 36 anos; e por Lucas Ciola, músico profissional, que trabalha arte e cultura a partir do resgate de cantigas populares, tai chi entre outras atividades.

Resgate com a terra
“Nasci quando minha mãe estava plantando arroz. Conta que quando viu eu já estava no chão!”, brinca Adam. O grafiteiro, que já faz vários trabalhos em escolas públicas de Taboão da Serra, conta que quando chegou de Minas Gerais teve tanta saudade de mexer na terra que começou a plantar na laje de casa. “Desse seu primeiro projeto de horta urbana saíram jiló, quiabo e quatro pés de maracujá!”, contabiliza com orgulho.

Dona Mara, a moradora  do terreno, chegou como caseira no Vista Alegre há 43 anos. Mais tarde, conseguiu comprar a área com mais sete pessoas. “Tudo que sei sobre a terra aprendi com meu marido. Tínhamos uma horta, mas quando ele adoeceu não tive como cuidar. A mata aqui era virgem”. Foi por intermédio da filha que conheceu o Projeto Colhendo e resgataram o plantio.
“Aqui tem berinjela, couve, brócolis, três tipos de almeirão, quatro tipos de alface, cenoura, couve flor, chuchu, milho, quiabo, feijão normal e andu”, diz com orgulho Marta Freitas de Oliveira Rodrigues, esposa de Adam e ativista da horta. Quando ouviu falar da “horta do Vista Alegre”, conta que não imaginava o tamanho. “Aqui é de toda a família. Estamos todos integrados, inclusive com a associação de amigos do bairro. Todos nós moramos muito perto e chegamos aqui a pé, todas as terças e quintas. Todo mundo traz suas crianças”.

A baiana Claudelina Santos Miranda, 56 anos, conhecida como “Lau”, tem orgulho de olhar para a horta e lembrar que antes era somente mata.  Começou na horta do Servidão em maio de 2009 e ficou feliz quando passou a ser remunerada nas Frentes de Trabalho em 2010. Hoje, lamenta o fim do benefício desde setembro de 2011.

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ustos e benefícios
Vale registrar que o valor total do convênio com a Prefeitura na segunda fase do projeto, 18 meses de atividade que foi iniciada em abril de 2010, representou um investimento de R$ 39,00 por família ao mês, menos do que o bolsa família, e capacitou mais de 200 famílias na produção própria de alimentos saudáveis, com grandes ganhos em saúde pública, reintegração social, autoestima e autossuficiência de pessoas carentes.

Para citar outro provérbio popular, o Colhendo Sustentabilidade “dá a vara, ensina a pescar”. Diferente de Programas como o Bolsa Família, que têm seus méritos, o Colhendo aponta para uma cidadania, para a capacidade de gerar renda, autonomia do Estado, além de integração social e autoestima, como vimos nos depoimentos de seus participantes.

Ainda assim, encontramos um jogo de desinformação no site da prefeitura, que alega que o convênio foi interrompido por conta de altos custos”. Noticia que investiu R$ 160.000,00, quando o valor total até o momento foi de R$ 116.790,00. Muito? Desde abril de 2010, só a Sociedade Ecológica desembolsou mais de R$ 230.000,00 no projeto, inclusive adiantando parcelas devidas pela prefeitura.

Convidamos a todos aqueles que entendem a importância de se criar uma cultura mais sustentável, uma cidade mais verde e criativa, com geração de emprego, renda, e principalmente saúde, abracem as hortas criadas pelo Projeto Colhendo Sustentabilidade e cobrem da prefeitura a sua manutenção. Mais do que isso, que elas tenham um efeito multiplicador, que seja uma ferramenta de cidadania.

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im da horta de Itatuba!
Em Itatuba, a prefeitura desalojou os participantes da horta do Projeto que envolvia o trabalho de seis famílias, além de colocar em risco os vários equipamentos comprados ao longo dos últimos anos. Alega ainda “alto custo” para manter o convênio. Tratava-se da maior horta do projeto que chegava a produzir excedente para venda de orgânicos no centro, gerando renda para seus participantes.

Instalados em um terreno público, a prefeitura desrespeitou o compromisso de manter o espaço por cinco anos para agricultura urbana. Um período necessário para o amadurecimento do projeto de capacitação em plantio agroecológico, bom para a saúde e para o meio ambiente dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Embu Verde.

Em agosto de 2011, o terreno foi leiloado para a Hines, uma multinacional voltada a investimentos imobiliários, principalmente galpões de logística, por R$ 8,5 milhões. O Plano Diretor vigente na época não permitia galpões na região. “Acreditamos que o mínimo de responsabilidade social, seria a Hines manter o projeto em operação no local, pois a área de Itatuba cultivada pelos agricultores é de 5 mil m², e conta com patrimônios públicos comprados com recursos do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). No terreno também há uma agrofloresta que começa a produzir os primeiros frutos”, comenta Leandro Dolenc, presidente da SEAE.

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esmobilização em Embu das Artes
Por falta de recursos financeiros, os técnicos da Sociedade Ecológica Amigos de Embu não puderam mais acompanhar as atividades nas 13 comunidades envolvidas no projeto. A equipe lamenta, pois o trabalho mais difícil foi mobilizar as pessoas, ensinando-as a forma adequada para garantir alimentos saudáveis, sem agrotóxicos. Houve uma grande desmobilização dos grupos envolvidos no projeto, pois a Prefeitura de Embu das Artes não deu continuidade e assistência ao trabalho.

Infelizmente, a Prefeitura de Embu das Artes vai na contramão do desenvolvimento sustentável. A presidenta Dilma Rousseff disse recentemente, durante discurso, que o Brasil precisa da agricultura familiar para se “transformar em uma grande nação”. “Se de fato nosso objetivo é construir uma nação desenvolvida (…) é fundamental olhar para a agricultura familiar como um dos elementos estratégicos para que o Brasil seja de fato essa nação desenvolvida, essa nação sustentável e sobretudo para que nós tenhamos um tecido social de fato de classe média, um tecido social de agricultores familiares que tenham acesso à riqueza, que sejam agricultores familiares e não agricultores pobres”, afirmou.

Em Embu das Artes, quem perdeu foi a comunidade que precisa de renda, saúde e educação.

  • Por Fabíola Lago e Indaia Emília